Adolescência perdida ou apenas não achada?
Quero começar essa reflexão sobre a adolescência com a seguinte frase: “Ninguém me compreendia e eu não compreendia ninguém”, faz parte da letra da música Julho de 83 da banda Nenhum de Nós, dando a entender que há uma grande lacuna entre o que os pais tentam conversar com seus filhos e o que os filhos tentam ouvir de seus pais.
Sabemos que a adolescência é um período das nossas vidas em que ocorrem diversas mudanças, tanto físicas quanto emocionais, mas também onde acontecem uma das interações sociais mais importantes da vida, onde iremos nos agrupar com aqueles que nos são parecidos e formar laços muito importantes. Mas, além disso, há conflitos de pensamentos e de comportamentos tão intensos que são difíceis de compreender, tanto para os próprios adolescentes quanto para seus pais.
Outra grande banda brasileira, Legião Urbana, criou a letra de Pais e Filhos, em um momento colocam: “Você diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais”. Também caracterizando esses grandes atritos entre pais e filhos adolescentes, demonstrando um abismo entre as diferentes gerações, nas diferentes fases da vida com suas peculiaridades e características próprias.
Em ambas a música fica claro a distonia entre sentimentos, emoções, comportamentos e atitudes que levam às dúvidas de milhares de pais de adolescentes no mundo inteiro. Quando realizo as avaliações de adolescentes na minha prática diária, sempre surgem dúvidas parecidas, como por exemplo, do tempo que ficam no celular ou computador, se estão sufocando com muito cuidado ou deixando muito solto, com relação aos estudos e ao futuro, sobre a sexualidade e drogas, ou sobre independência emocional e financeira.
Eu sempre oriento os pais que a primeira coisa a se fazer é respirar fundo, parece ser algo muito superficial e até “idiota”, alguns podem pensar. Mas se formos ver bem ao certo, respirar nos dá um tempo para pensar, que sejam 10 20 ou 30 segundos de respiração profunda, suave e concentrada. É um tempo adequado para pensarmos e ouvirmos o que o nosso filho está falando, de que maneira ele está falando e qual o sentimento está envolvido nessa conversa.
Outra coisa que comento, é a questão do tempo. O tempo é relativo, segundo Albert Einstein, né? Ou seja, cada um tem uma percepção dele, mesmo os adolescentes, que vivem na velocidade da luz, e os pais reagem a isso em outro tempo, acredito que na velocidade de uma tartaruga (brincadeira ok?). Tudo bem pode ser meio exagerado, mas são tempos diferentes, mas é preciso achar alguma forma de sincronizar esses tempos, para então, todos conseguirem entender o que está acontecendo.
Os pais precisam ter um tempo para seus filhos, não interessa a quantidade de trabalho que têm, ou se estão atrasados para algum evento, ou se apenas não querem ouvir o que seus filhos têm a dizer. É preciso parar e ouvir. Sim, simples assim, nada de receitas absurdas de que tem que “comprar” seu filho porque esqueceu de ir a um recital dele, ou porque esqueceu de dar um parabéns pela nota boa. Se os pais e seus filhos puderem ter algum momento do dia em que possam parar, sem mexer no celular, sem televisão ligada, sem ficar lendo jornal ou livro, e olharem um para o outro e apenas prestarem atenção ao que se está falando, é maior a garantia de sucesso.
Quando falamos em aprendizado, estamos falando em aquisição de informações, mas não apenas disso, também falamos de como nos comportamos, nos sentimos e pensamos no mundo. O exemplo é um bom começo para ensinar nossos filhos, principalmente os adolescentes, das boas maneiras, de como ser ético e equilibrado num mundo cada vez mais caótico e imediatista. Se estou falando no celular enquanto almoço, por que eu irei cobrar meu filho que faça o contrário? Se estou chegando em casa ou saindo, não dou bom dia ou boa tarde, não dou um beijo ou um abraço, por que exigiria que meu filho fizesse isso também? Tem aquela frase famosa “Uma imagem vale por mil palavras”, né? Então, uma atitude, um afeto, valem também por mil jogos de vídeo game, vale mais que uma ida a uma festa, vale mais do que deixar o filho acordado até a madrugada, sem regras ou responsabilidade.
A partir de tudo isso, acredito, torna-se mais fácil interagir com o adolescente, que, se formos pensar, não é tão diferente quanto ao que nós mesmos já fomos. Apenas o tempo é outro, vivemos em um mundo mais rápido, um mundo mais intenso, com muito mais mudanças que a própria adolescência vive. Mas também sempre trabalho a questão do afeto, com amor, carinho, paciência e tempo, a tendência é que possamos nos aproximar desses adolescentes mega rápidos. E o afeto, não tem data de validade, não prescreve não se perde no tempo, é vitalício, se os pais conseguirem passar para seu filho o que sentem, mesmo sendo um sentimento ruim às vezes, é importante para o filho ver que seu pai e sua mãe sofrem também, mas que o amam da mesma maneira.
Não existe ser um bom pai, uma boa mãe, porque não podemos nos comparar aos outros pais e mães do mundo inteiro, temos que respeitar a nos mesmos como seres humanos, que erramos, mas acertamos também, sem cobrança em excesso, mas sempre trocando ideias, abertos a essa experiência única que é criar um filho, desde sua gestação até os primeiros passo rumo a sua “liberdade”, sua independência. E um dia isso vai chegar, mas nesse caminho os pais precisam ter segurança, paciência, tempo e muito, mas muito, afeto.
Com certeza existem muitos outros temas para serem debatidos, até mesmo, os que aqui foram abordados nunca vão ser esgotados, mas o tempo e até mesmo o espaço no jornal ficam um pouco limitantes. Mas para aqueles que tiverem mais dúvidas e precisarem de mais orientação, procurem um psicólogo ou um psiquiatra se tiverem dúvidas quanto aos comportamentos de seus filhos. Cuidar nunca é demais.