Dor e Espiritualidade
Hoje entro em um assunto que está sendo muito estudado em pacientes com dor crônica que é a influência da espiritualidade sobre o tratamento da dor. Sempre houve uma barreira entre a espiritualidade e a ciência, mas isso está sendo quebrado nos últimos anos, pois a ciência/medicina tem produzido muitos artigos científicos com resultados evidenciando o sinergismo entre estas duas fronteiras.
O neurocientista Dr Andrew Newberg diz que o cérebro tem duas funções básicas: a autoconservação – como sobrevivemos como indivíduo e como espécie? e a autotranscedência – como continuamos a evoluir e mudar a nós mesmos como pessoas? A espiritualidade tem esses mesmos princípios, assim a biologia entra em sinergismo com as crenças. Por exemplo, se você contemplar Deus por tempo suficiente ocorre ativação de novos circuitos cerebrais com formação de novas sinapses, as percepções se alteram, as crenças começam a mudar e, se Deus tem um significado para você, então Deus se torna neurologicamente real. E é exatamente isto que ocorre com a dor crônica.
O cérebro é atraído por más notícias. É fácil mantermos um sentimento de impotência por um fracasso, mas muito difícil livrar-se dele mesmo tendo muitas experiências bem sucedidas. As pessoas se esforçam mais para evitar uma perda do que para obter um ganho equivalente. E mesmo quando esquecemos uma má experiência, ela deixa uma marca indelével no cérebro. Assim, temos crenças nucleares e pensamentos automáticos que muitas vezes podem ser disfuncionais e irreais, causando um aumento no sofrimento e dor.
A oração, práticas espirituais e meditação reduzem o estresse e a ansiedade, bem como contemplando um criador amoroso em vez de punitivo, aumenta os sentimentos de segurança, compaixão e amor. Ao contrário disso, a raiva e o preconceito gerados por crenças extremistas, podem danificar permanentemente o seu cérebro. Já existem artigos científicos que propõem associação de oração com o tratamento medicamentoso para a melhora da dor. Também já foi demonstrado que a espiritualidade aumenta a espessura cortical das regiões parietal e occipital que conferem resiliência ao desenvolvimento da depressão.
A dor não é só orgânica, existe também a dor espiritual que segundo Sanders surge quando a visão (do paciente) de (sua) vida espiritual e (sua) experiência de vida estão em um estado de incompatibilidade ou conflito. É uma dor profunda, no ser ou na alma, e não é física. Em revisão sistemática foi observado que a abordagem da espiritualidade em crianças e adolescentes com câncer, além de seus familiares, ajuda a melhorar a dor e trazer mais esperança com o tratamento, pois muitos acabam desistindo e questionando a sua existência.
Para mudar você precisa de decisão. E não é fácil conseguir isso. Não basta acordar de manhã e dizer “hoje eu vou perdoar”, é preciso treino e persistência e com o tempo isso vira hábito através da neuroplasticidade cerebral. Perdoar é superar, tem que ser evitado o pseudoperdão (apenas esquecer). Existem cinco pilares do fortalecimento da espiritualidade: perdão, gratidão, autoperdão, resiliência e amor.
Um autor chamado Selingan propõe duas maneiras de mudar isso e que só dependem da decisão e da ação: 1) exercitar a gratidão, pois ela aumente a apreciação dos eventos positivos vividos e 2) praticar o perdão, já que este diminuiu o poder que os acontecimentos negativos tem de instigar a amargura e permite reescrever a história transformando más lembranças em boas lembranças.
Este texto foi baseado na aula do Dr Rui Nei de Araujo Santana Jr, neurocirurgião coordenador do Comitê de Espiritualidade e Saúde da SBED (Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor).
Dr. Diego Cassol Dozza
neurocirurgião