Era uma vez… Um pai que virou filho, um filho que virou pai.
Houve uma época em nossas vidas que precisávamos de alguém para tudo: trocar fraldas, dar comida na boca, ajudar no banho e ensinar a andar e trocar a roupa. Houve uma troca de amor incondicional, sem cobranças ou falta de vontade para todo e qualquer ato de ajuda. Havia um respeito apenas no olhar, e certas verdades precisavam ser ditas para um melhor aprendizado das coisas. O tempo que passou foi necessário para que, hoje, um filho precisasse aprender o que era necessário para ser um bom pai, para ensinar ao seu filho e assim por diante. Quando se chega num momento da vida em que os filhos se tornam os cuidadores, eles já deveriam estar prontos para tal tarefa, porém, nem sempre é tão fácil quanto parece.
Por parte dos filhos, é um momento de abdicar de algumas coisas, de serem responsáveis por quem lhes dedicou a vida e proporcionou amor e cuidado. Não é um momento para se ter vaidades ou dúvidas, até porque, onde se gerou amor, paciência e responsabilidade, esse se doar para os próprios pais, não é um trabalho, e sim, uma forma de dar o conforto necessário para que “nossos velhinhos” se sintam amados e orgulhosos de seus filhos.
Também é um momento de adaptação, assim como nossos pais tiveram que aprender a serem pais, podemos aprender a ser filhos cuidadores, não que seremos “pais de nossos pais”, mas sim, filhos de pais que merecem serem cuidados com atenção e proteção. Afinal, “quem ama cuida”, não é?
É um ato de retribuir o amor e carinho que nossos pais sempre nos proporcionaram. É um momento de mostrar a eles que todo o seu ato de abdicar de muitas coisas para nos criarem não foi em vão. Muitos podem sentir dificuldades devido ao relacionamento com seus pais não ter sido muito significativo, outros podem querer se doar demais, mesmo seus pais não necessitado ainda de cuidados efetivos.
É preciso, realmente, avaliar todas as condições de vida de uma pessoa para saber o quanto ela precisa de ajuda ou não. Muitos vão negar que precisem de qualquer auxílio, por se acharem independentes ou que não estão doentes. Por isso, é sempre importante ter uma conversa sincera com o idoso para que haja uma negociação equilibrada, do que ele precise ou não que seu filho faça. Mas, na maioria das vezes, é importante respeitar a independência e funcionalidade do idoso.
Mas também, com essa responsabilidade a mais, o filho que cuida de seu pai doente, debilitado e que exija muito mais atenção e cuidados, acaba se desgastando demais, e quem cuida do cuidador? É necessário, muitas vezes, que os filhos busquem auxílio de um profissional para ajudar no dia a dia desse idoso que exige cuidados mais específicos. E, o dia que esse pai ou mãe falecerem, o cuidador precisa de atenção também, mas, que sua vida não acabe quando seus pais não se fazerem mais presentes, pois quem está vivo ainda precisa estar bem para que as exigências de um novo cuidador demorem a aparecer.
Na vida tudo é aprendizagem, enquanto estivermos aptos e conscientes de nossas ações, estaremos encarregados de tornar a vida mais leve e não um peso, como muitos pensam, para seus filhos. Ninguém deveria se tornar um fardo a ser carregado, e, nem a decisão de ajudar um pai ou uma mãe, deveria ser carregado de angústias, medos ou de um luto antecipado.
É preciso muita paciência e consciência de todos no momento de dar um significado mais leve para o ato de cuidar, até porque, nem todo ato de cuidar significa que a pessoa cuidada está realmente debilitada física e/ou mentalmente. Sejamos cuidadosos nos nossos próprios atos, nas nossas próprias decisões, no nosso próprio relacionamento para que, quando precisarmos ser cuidadores, sejam cuidadores conscientes.
Anderson Cassol Dozza
neuropsicólogo